Kiaora, meus amigos!
É com o cumprimento maori equivalente ao nosso “oi” que inicio meu registro de 20 dias de férias no paraíso. Antes de tudo, pegue um mapa. Partindo do gigantesco Brasil, procure à sua esquerda um borrãozinho esverdeado próximo à Austrália. Um país dividido em duas pequenas ilhas. Chegamos. Lar dos esportes radicais, das centenas de ofertas de emprego flexíveis e com salários tentadores, dos maoris, da tatuagem, das praias paradisíacas. Kiaora! Você chegou à Nova Zelândia.
Depois de 16 horas de vôo, pisei em terra firme. Troquei os dólares americanos pelos neo-zeolandeses, e ainda ganhei uma graninha. Comecei bem. O propósito inicial da viagem seria visitar minha melhor amiga que passava quatro meses no país trabalhando e aprendendo inglês. Aliás, experiência super recomendável. A Ana faturava 800 dólares por semana catando flores ou frutas, e isso de forma nenhuma me parecia real. Nem mesmo quando me falava sobre todo o respeito com o qual os naturais da ilha se tratavam, da tranqüilidade de se andar nas ruas a qualquer hora do dia e de se dormir dentro dos carros, das estradas sem um buraco sequer, e da lei do silêncio que mantinha um ar espiritual no trânsito imaculado sem as buzinas, e nos terminais de metrô que só anunciavam a chegada do transporte por meio de letreiros. Você acreditaria?
Pois acredite. Eu vivi essa experiência, e aprendi muito. Minha primeira aula foi sobre os nativos da ilha, os índios maoris. Eles habitavam a Nova Zelândia antes de os ingleses colonizarem a terra. Hoje em dia, travam a mesma batalha dos índios brasileiros: a tentativa de preservar sua cultura. Com muito mais sucesso, entretanto. Por qualquer cidade que passe, há artefatos maoris. Colares com pingentes de osso, pedras milenares, e couro são os souvenirs mais procurados. Há ainda algo que muitos garotos não deixam de levar na volta ao país de origem – e levam na pele – as tatuagens maoris. Elas são mundialmente conhecidas por serem as pioneiras no estilo tribal. O seu ritual foi o que mais seduziu minha atenção. Caso procure um índio para fazer a sua tatuagem, ele fará uma entrevista com você buscando experiências, valores, aspectos que te definam e ilustram a sua vida. Pode levar um, dois, ou três dias até que ele sinta que conheceu a sua essência. A partir daí, o maori elabora um desenho cheio de símbolos que traduzem tudo o que contou a ele. Tive a felicidade de ver uma tatuagem dessa, e me emocionei.
Depois do papo didático, a Ana me apresentou o lugar onde nos hospedaríamos. Um Backpacker. Casas ou prédios projetados e equipados para receber jovens de todos os países por um preço muito bacana (varia entre 15 a 25 dólares neozelandeses por dia). Cybercafe, cozinha comunitária, banheiros, centros de informações turísticas, bares, telefones, sofás espalhados por todos os lados, assim como dezenas de máquinas de refrigerante e guloseimas. Os personagens do falatório tinham os mais diferentes sotaques falando o inglês que todos conhecemos de formas totalmente diversificadas. Convive-se com pessoas das mais diferentes culturas, ouve-se estórias sensacionais e a paquera, obviamente, rola solta. Me impressionou o respeito entre a galera que mal se conhecia. Ninguém pega comida de ninguém dentro da geladeira comunitária, você divide o quarto geralmente com 6 ou 8 pessoas, e pode deixar as malas abertas pois, definitivamente, nada vai sumir. Ia me apaixonando por aquele país a cada hora que se passava, e estava só começando.
A primeira cidade do roteiro foi Queenstown, mundialmente conhecida pelos esportes radicais. Pode-se fazer manobras molhadas nos jetboats, pular de pára-quedas de um avião há muitos metros de altura, ou experimentar a sensação única do bungee-jumping. Não poderia sair daquele lugar sem atestar a minha coragem. Procurei o centro turístico mais próximo, e pedi, tremendo dos pés a cabeça, para me inscrever no salto do NEVIS, o segundo bungee mais alto do mundo. 134 metros de altura, num pulo que te dá a velocidade de 145 km/h. Mal dormi a noite, e na manhã seguinte viveria uma das emoções mais indescritíveis da minha vida. Mas vou tentar colocá-la em palavras. A adrenalina aquece teu sangue, seus pés não param, e a única coisa que consegue pensar é em desistir. A batida da música eletrônica na cabine tenta te distrair, enquanto os funcionários do NEVIS te vestem com todos os apetrechos para curtir a queda com toda a segurança necessária. Sugerem que olhe para o ponto mais alto da montanha, respire fundo e sinta a liberdade. Você abre os braços, flexiona os joelhos, e salta para o meio do vento, num silêncio terno e confuso, seu corpo se alterna em sensações de calor e frio, o rio cristalino fica cada vez mais próximo do teu rosto – tudo isto em apenas 8 segundos. Já sonhou em voar? Eu voei.
Alugamos um carro, e fomos dirigindo até Christchurch, 400km de distância. Também tem isso. Na Nova Zelândia, é possível comprar, veja bem, comprar um carro em boas condições por mil dólares, viajar por todo o país, e vendê-lo em menos de uma semana ao final da sua jornada. Foi o que fizemos. Até sobre as estradas tenho estórias para contar. De fato, não há um buraco sequer, todas são muito bem conservadas e sinalizadas. Inclusive, a cada curva, observa-se uma placa indicando a velocidade exata para completá-la sem qualquer perigo ou esforço. Perfeito. Tem mais: a cada 20 km, há uma área reservada para os carros estacionarem e os motoristas descansarem, com sombra e banheiros, evitando dezenas de acidentes por cansaço. Como se não bastasse, você ainda carrega no banco do carona o oceano pacífico, ou montanhas com geleiras mesmo debaixo de sol. Dirigir também é turismo na Nova Zelândia, acredite.
Christchurch já era maior que Queenstown. Lembrava ao Rio no corre-corre matutino dos engravatados em busca do café, das mocinhas carregando sacolas e mais sacolas recheadas de roupas novas, e dos baderneiros de plantão nas madrugadas. Há uma catedral lindíssima bem no centro da cidade, onde também achamos feirinhas com lembranças interessantes para as amigos que ficaram no Brasil. As boates mais agitadas ficam na The Street, uma ao lado da outra, o que facilita muito os que procuram aproveitar um pouco de cada, já que as entradas são gratuitas. Há uma outra observação: se você beber demais, e o barman entender que já passou um pouco do limite, ele, gentilmente, te oferece uma água, e somente depois de bebê-la você estará liberado para fazer outro pedido. Abaixo a cabeça, e afirmo que fui o ratinho de laboratório desta experiência que agora narro. Fantásticos mesmo são os parques com gramas sempre muito bem cortadas, limpas, e que tocam um rio que corta a cidade, onde os gansos passeiam, e os jovens molham os pés conversando. A colonização inglesa se traduz nos pequenos detalhes, como as tradicionais cabines telefônicas vermelhas e o trem que corre toda a cidade. Chorei ao partir de Christchurch.
A última visita foi em Auckland, a capital da Ilha Norte. Se não estiver muito atento, por pouco não acredita estar em Tókio. Há uma quantidade enorme de olhos puxados andando para todos os lados, oponentes letreiros digitais, dezenas de bancos internacionais, e até mesmo banheiros eletrônicos. “Olá, você está entrando em um banheiro eletrônico. Fique a vontade”. A torneira é acionada pelo toque, a descarga é automática, assim como o rolo de papel higiênico. Sensacional. No meio das águas da praia, há um hotel da famosa rede Hilton, projetado para parecer um navio. Durante a noite, ele fica todo iluminado, e somente quem sabe não confunde com uma embarcação. Não cheguei a entrar, mas dizem que a diária supera o valor de mil dólares por dia. De qualquer forma, o Skytower é o cartão postal da cidade. Um hotel que tem em seu topo uma torre com observatório, de onde pode-se ter a vista mais privilegiada de toda Auckland. E mais, os aventureiros podem pular do topo dessa torre, amarrados pela cintura, enquanto os turistas clicam suas câmeras incessantemente.
Só há uma coisa da qual me atrevo a reclamar deste passeio: não se atreva a entrar em um restaurante. Nossa, como se come mal. Os pratos são simples, mal temperados, caríssimos (pode pagar num prato de macarrão quase 50 dólares), e certamente vão misturar um creme de abacate salgado no seu pedido. Não entendi quando pedi nachos, e recebi nachos, com creme de abacate e feijão doce. Foi estômago embrulhado por dois dias e menos 35 dólares no bolso. Opte pelo Mc Donald´s, Domino´s ou Burguer King, é mais seguro.
Com cento e cinquenta fotos na câmera, um colar maori no pescoço e uma tatuagem na costela, recordações das mais saborosas aventuras (pois essas sim eram saborosas), duas malas de roupas sujas, e moedinhas de dólares perdidas na bolsa, deixei o aeroporto de Auckland com lágrimas nos olhos, e o sentimento de que nunca mais iria esquecer daqueles 20 dias num lugar onde a civilidade e a diversão coexistem. Saudades eternas.